Florianópolis,
 
 


Prova Concurso 1998/02:
TESE DE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

 

Na Comarca de Biguaçu, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por seu Promotor de Justiça, com supedâneo nas disposições legais pertinentes à matéria, ajuizou, em 10 de outubro de 1991, Ação Civil Pública de Responsabilidade por Danos Causados ao Meio Ambiente e a Bens de Valor Turístico e Urbanístico, com pedido de liminar, contra Freno Breca, Tormento Grande, Nocivo Tanto e Carêncio Limite, na qual sustentou, em síntese, que a praia de Palmas, situada no Município de Governador Celso Ramos, pertencente àquela denominação judiciária, é uma das mais aprazíveis de nosso Estado, conhecida pela beleza de sua topografia e pela limpidez de suas águas marinhas, cujas características são um patrimônio pelo qual incumbe ao poder público zelar, de sorte a assegurar a perenidade de seu desfrute, quer pela presente, quer pelas futuras gerações.

Esclareceu, ainda, que na parte sul daquele balneário desemboca o rio Água Negra, de formato sinuoso, apresentando, em suas margens, estruturas identificadas como ecossistema típico de manguezal. Até o ano de 1970, antes do crescimento turístico do Município, apresentava rica opção de pesca, principalmente devido ao então existente mangue, criadouro natural de grande variedade de peixes, crustáceos e moluscos.

Sucede, porém, que os requeridos são proprietários de áreas de terra, adjacentes ao citado rio, as quais se situam em ambas as margens, até a praia. Com o correr dos anos e a progressiva ocupação do local, a partir da década de 1970, os demandados foram urbanizando as terras, através de enrocamento com seixos em uma delas, isto é, na margem esquerda, para quem está de costas para o mar e aterro na outra. A margem esquerda, pertencente a Freno Breck, onde está edificado um camping, implementado sem qualquer licença dos órgãos competentes, era constituída de terreno arenoso e coberto de capim; e a direita, de propriedade, em condomínio, de todos os requeridos, era formada de algodoeiros, mangue e vegetação rasteira. No camping foram construídos diversos sanitários, além de outras obras (bar, cozinha, etc.), sendo que os resíduos, inclusive esgoto cloacal, eram jogados num córrego que desagua no rio Água Negra. A margem direita do rio foi aterrada com barro para permitir futura edificação turística. Com a ação perpetrada, os acionados interferiram no ciclo biológico natural, haja vista tratar-se de abrigo e criatório de peixes, moluscos e crustáceos, que se forma justamente naquela vegetação, das barrancas, por mais ralas e pobres que sejam. A superposição do aterro atingiu, ainda, a vegetação periférica, composta inclusive de manguezais, capim, etc.... Os réus promoveram, também, retificações no leito do rio, acabando com as bacias ali existentes, as quais, quando eventualmente alagadas, contribuíam para a reprodução das espécies marinhas.

Documentalmente restou comprovado nos autos que Freno Breck adquiriu seu imóvel de Nefasto Ambrósio, em data 2 de maio de 1978, e a área em condomínio foi comprada do mesmo vendedor no dia 10 de outubro de 1985.

O autor anexou à inicial o Auto de infração nº 4469, lavrado em 19/09/89, contra Freno Breck, pela Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente - FATMA -, cuja descrição sumária dos fatos constitutivos da infração está, vazada nos seguintes termos: "Aterro em margem de rio; início de obras para futuro loteamento e construção de muro para contenção do rio".

Anexou, igualmente, o Auto de Infração nº 4910, lavrado em 19/11/90, contra Nocivo Tanto, tendo a FATMA descrito a infração como segue: "Aterro em faixa marginal do rio e em área de mangue com medida aproximada de 4.000 metros quadrados"

Juntou, por fim, Termo de Interdição do camping.

Postulou o autor, independentemente de justificação prévia e audiência da parte contrária, a concessão de liminar para interdição do camping, até que o funcionamento do mesmo esteja autorizado pelos órgãos competentes, bem como a cessação imediata de qualquer aterramento na área sub judice, com a fixação de multa diária em caso de inobservância da ordem judicial.

Ao arremate, postulou a condenação dos requeridos a responderem, solidariamente, pelo pagamento de indenização a ser fixada em oportuno processo de liquidação por arbitramento, indenização esta que deve corresponder ao custo integral da completa recomposição do complexo ecológico atingido, de modo que este readquira a situação anterior.

Pleiteou, igualmente, a condenação dos requeridos a se absterem da co1ocação de aterros, edificações, lixo, ou corte de qualquer vegetação no local, nas áreas consideradas de preservação permanente. Por fim, pediu a interdição do camping, com a cessação de qualquer atividade, até que a situação perante os órgãos competentes esteja regularizada, bem como a restauração do local ao statu quo ante, tanto quanto possível, com a retirada do aterro, de modo que o mesmo readquira os atributos anteriores.

Pelos atos praticados, com base em Inquérito Policial instaurado na Delegacia de Polícia do Município de Governador Celso Ramos, os requeridos foram denunciados no Juízo da Comarca de Biguaçu por infração ao disposto no art. 26, alíneas "a" e ‘d", da Lei nº 4.771/65, alterada pela. Lei nº 7.511/86, para serem responsabilizados penalmente, apôs regular processo e julgamento.

Houve concessão de medida liminar, nos termos postulados na peça vestibular, bem como foi fixada a multa diária, em caso de inobservância da decisão.

Em contestação, Freno Breck e Tormento Grande pediram, preliminarmente, o sobrestamento do feito até decisão do procedimento criminal, ex vi do disposto nos arts. 110 c/c o 265, inciso IV, alínea "a", ambos do CPC, 64, parágrafo único, do CPP e 1525 do CC, bem como levantaram a prefacial de prescrição, nos termos do art. 178, § 10º, IX, do Diploma Substantivo Civil, ao argumento de terem os danos ambientais sido causados em época remota. No mérito, refutaram todos os fatos articulados na peça exordial, salientando inexistir qualquer ligação dos banheiros do camping com o rio, tendo sido colocadas algumas camadas de barro sobre a areia com a única finalidade de facilitar o plantio de grama e nivelar o solo, e que as pequenas pedras colocadas a sua margem tiveram a intenção de evitar e conter a erosão, o que é permitido pelos arts. 524 e 160, inciso I, ambos do Código Civil. Asseveraram, ao arremate, que os danos ambientais foram causados por Nefasto Ambrósio, antigo proprietário do imóvel.

Por seu turno, Nocivo Tanto e Carêncio Limite apresentaram contestação, arguindo as proemiais de coisa julgada, nos termos do art. 65 do CPP, e de carência de ação, por ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, também rebateram os fatos narrados na inicial, lembrando que pelo Plano Diretor do Município de Governador Celso Ramos, a área sob análise é destinada à execução de projetos urbanísticos. Requereram, ao final, seja a ação julgada improcedente, com a inversão da condenação, na forma do art. 17, da legislação aplicável à espécie.

Através de ordem de Habeas Corpus deferida em favor dos requeridos, alicerçada, tão-somente, em razões de natureza processual penal, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina trancou a ação penal, por inépcia da denúncia, haja vista não conter todos os requisitos do art. 41 do CPP, porquanto, referindo-se a crime de autoria coletiva, não descreveu circunstanciadamente o procedimento tido por delituoso de cada um dos réus.

Saneando o feito, o Togado afastou as preliminares invocadas pelos contestantes, deferindo a produção de prova testemunhal e pericial, facultando as partes a indicação de assistente técnico e apresentação de quesitos

Nocivo Tanto e Carêncio Limite interpuseram Agravo de Instrumento, retido nos autos, irresignados com o afastamento da proemial de coisa julgada.

O laudo pericial, subscrito pela doutora Dedicada Naturélia, concluiu, verbis:

"1 - Houve aterramento nas margens do rio Água Negra, prejudicando o manguezal existente. Houve, igualmente, supressão de vários exemplares de espécies típicas de manguezal, bem como de outras espécies de transição entre o ambiente marinho e terrestre, que integram o seu ecossistema. A influência das marés nos manguezais é essencial não só como transportadora de nutrientes e matéria orgânica necessária ao desenvolvimento da fauna e da flora, mas também é importante na dispersão dos frutos e sementes. A influência das marés na área de manguezal às margens do rio Água Negra foi prejudicada pelos aterros que atuam como barreiras no fluxo das marés. Este fator poderá levar a extinção do manguezal por falta de condições de repovoamento. Geralmente quando ocorre alteração do substrato surgem as espécies de transição como aquelas presentes na área em estudo. Nestes locais abrigados, organismos marinhos se reproduzem em larga escala, vivendo aí sua fase juvenil (peixes, mamíferos e aves), migrando, após, para o mar ou outros ambientes. Os aterros são considerados tensores (stress - impacto) bastante prejudiciais ao manguezal.

2 - Em função do aterro o ecossistema de manguezal foi comprometido, pois na margem direita do rio foi totalmente destruído e na margem esquerda o foi apenas parcialmente. Além da degradação do manguezal e faixa marginal do rio, houve também supressão de pequenas lagoas situadas entre os canais meândricos do rio, local considerado bastante produtivo pela grande quantidade de peixe.

3 - Foram atingidos o manguezal, as margens de no e as lagoas referidas.

4 - As alterações ambientais promovidas obstruem o desaguadouro pluvial em caso de enxurradas.

5 - As ações referidas poderão trazer como consequência alagamentos em áreas localizadas à montante da foz em época de grandes enxurradas, podendo inclusive ocasionar enchentes, devido a supressão da área de inundação natural.

6 - A regeneração do manguezal, visando a recomposição de ecossistema relativamente semelhante ao preexistente é possível de ser realizada.

7 - Para a realização de projeto de recuperação ambiental é necessário projeto específico, com tempo, recursos humanos e financeiros compatíveis, além de ações voltadas a impedir que interferências sobre o ecossistema se repitam.

8 - A fim de verificar a existência de lançamento de esgoto naquele local, foram realizadas coletas de amostras de água em dois pontos do rio, tendo o laudo laboratorial apresentando resultados de coliformes fecais acima dos limites tolerados pela legislação ambiental em vigor, para rios de classe II. Constata-se, portanto, através do parâmetro coliforme fecal, que o rio Água Negra está recebendo lançamento de esgoto.

9 - O primeiro aterro na margem direita do rio ocorreu em agosto de 1988, era área de mangue, com objetivo de loteamento, conforme ocorrência nº 2.397 lavrada pela FATMA. Em 28 de fevereiro de 1989 a FATMA emitiu o Auto de Infração nº 2.624, por aterro nas margens do rio e em área de manguezal. Em 19 de março de 1989 a FATMA emitiu Auto de Infração nº 4.351 por aterro nas margens e construção de muro, na margem direita, para contenção do rio. Em 04 de abril de 1991 a FATMA emitiu o Auto de Infração nº 219 e o Termo de Embargo nº 134, por implantação de loteamento e camping sem licenciamento ambiental e aterro na faixa marginal de rio. Em 03 de dezembro de 1991 a FATMA indeferiu solicitação de construção de muro na margem oposta ao camping.

10 - Em vistoria realizada no dia 19 de dezembro de 1993, novas alterações foram observadas na margem esquerda do rio, pois o aterro existente foi cercado com arame farpado, e a vegetação remanescente de restinga foi totalmente devastada através de queimada recente".

Por outro lado, a prova testemunhal revelou que a partir do ano de 1972 iniciaram as agressões ambientais, em ambos os imóveis, muito embora de forma descontínua.

Os réus impugnaram o laudo pericial, taxando-o de imprestável e pouco esclarecedor.

Inacolhidas as impugnações, Freno Breck e Tormento Grande interpuseram Agravo de instrumento Retido, sob a alegação de que os quesitos ofertados não foram respondidos de forma clara, o que gera cerceamento de defesa nulificando o feito.

Em Alegações Finais, o autor requereu a procedência da ação nos exatos termos em que foi deduzida a inicial. Os requeridos, por sua vez, pleitearam a improcedência da ação, repisando os argumentos expostos nas contestações.

Ao prestar a tutela jurisdicional, em data de 3 de agosto de 1998, o Togado acolheu as razões esposadas pelo Ministério Público e julgou procedente o pedido inicial, para cumprimento de obrigação de não fazer, ou seja, que os requeridos abstenham-se do exercício de qualquer prática nas margens do rio Água Negra, bem como colocação de aterros, edificações, lixo, ou corte de qualquer vegetação no local, nas áreas consideradas de preservação permanente; a interdição do camping, até sua regularização juntos aos órgãos competentes, fixando, ainda, multa diária em caso de descumprimento da decisão. Condenou, também, os demandados no pagamento de custas, honorários periciais que importaram em R$ 5.000,00 e advocatícios, estes no valor de R$ 6.000,00.

Em 6 de agosto de 1998 todos os réus foram devidamente intimados da sentença.

Irresignados com o teor da prestação jurisdicional entregue, Freno Breck e Tormento Grande interpuseram, em 21 de agosto de 1998, recurso de Apelação, clamando pela reforma da decisão objurgada, sustentando, para tanto, em preliminar a ocorrência da prescrição, aduzindo que os danos ambientais teriam ocorrido em 1970, ou seja, há mais de 20 anos.

No mérito, atacaram o laudo pericial pois entendem que o mesmo é parcial, razão pela qual não poderia ter servido de fundamento para o decisum.

Argumentam, ainda, que a ação penal contra eles deflagrada, pelo mesmo fato, foi declarada inepta pelo Tribunal de Justiça, isentando-os, por conseguinte, de qualquer responsabilidade.

De igual modo insatisfeitos, os réus Nocivo Tanto e Carêncio Limite também apelaram, no dia 11 de agosto de 1998, requerendo, de início, a apreciação do agravo retido, afirmando ter havido coisa julgada, fazendo alusão ao habeas corpus que Culminou no trancamento da ação penal que lhes fora intentada.

Sustentam, ainda, a carência de ação, por ilegitimidade passiva ad causam. Afirmam, por fim, que se tornaram proprietários do imóvel somente após procedidas às alterações consideradas ilegais concluindo pelo descabimento da condenação. Por tudo isso, postulam a reforma da decisão vergastada.

O Ministério Público foi intimado do decisum em 24 de agosto de 1998, manifestando-se nos seguintes termos:

(OBSERVAÇÃO: O CANDIDATO DEVERÁ OBRIGATORIAMENTE ENFRENTAR TODAS AS QUESTÕES DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL QUE A FORMULAÇÃO ENVOLVE)

 

 

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